quinta-feira, 30 de agosto de 2018

UMA INTERVENÇÃO POLÍTICA NA DEFESA DO MST


Esta semana foi comentado, de forma pejorativa, sobre o MST e percebi que, de certa forma houve uma certa concordância entre os colegas da sala. Como não me posicionei no momento da aula, em função de sempre gerar apenas um ou dois comentários de minha parte e o professor tem o monopólio da palavra, resolvi escrever este pequeno texto que enviei para todos os contato do Curso de Direito para fazer um contraponto.
Primeiro, gostaria de deixar claro que demorei muito tempo para entender a importância do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), justamente pela falta do conhecimento que me foi negado pelo banco da escola e pelos meios de comunicações.
Segundo, sou filho de agricultor e conheço bem a falta de política pública brasileira para manter o homem no campo e forçar o êxodo rural para formar o chamado “exército industrial de reserva” para garantir mão-de-obra barata nas cidades. Também tenho conhecimento de causa, que me permite argumentar, que muitas vezes a renda gerada gerada na propriedade não é suficiente para comprar novas propriedades para os filhos que chegam na idade adulta.
Terceiro, para a imensa maioria dos estudantes foi negligenciado como se deu a distribuição de terras em nosso país. Hoje temos a maior concentração de terras do mundo. Em nosso território, estão os maiores latifúndios. Concentração e improdutividade possuem raízes históricas, que remontam ao início da ocupação portuguesa neste território no século 16. Combinada com a monocultura para exportação e a escravidão, a forma de ocupação de nossas terras pelos portugueses estabeleceu as raízes da desigualdade social que atinge o Brasil até os dias de hoje. Grande parte da Europa resolvera o seu problema com a expansão agrícola em outros continentes. A exportação da sua mão-de-obra agrícola para os outros continentes resolveu grande parte do conflito agrário no velho continente.
No Brasil, ainda nos anos de 1850, o Império decretou a lei conhecida como Lei de Terras, que consolidou a perversa concentração fundiária. É nela que se encontra a origem de uma prática trivial do latifúndio brasileiro: a grilagem de terras – ou a apropriação de terras devolutas através de documentação forjada – que regulamentou e consolidou o modelo da grande propriedade rural e formalizou as bases para a desigualdade social e territorial que hoje conhecemos.
Nos países centrais do sistema capitalista, a democratização do acesso à terra, a reforma agrária, foi uma das principais políticas para destravar o desenvolvimento social e econômico, produzindo matéria prima para a nascente indústria moderna e alimentos para seus operários, mesmo em pleno século XX os países europeus instituíram política agrária para evitar a concentração.
No Brasil com exceção da colonização a colonização das áreas litorâneas e da europeia do século XIX e início do Século XX, que ocuparam terras de difícil acesso, que foram distribuídos em pequenas propriedades, temos as grandes propriedades rurais.
As grandes propriedades rurais eram tocadas, principalmente pelos meeiros e trabalhadores que viviam como agregados dentro das fazendas (os caboclos). Não eram empregados das fazendas, apenas ocupavam uma pequena porção de terra e estavam à disposição do dono ou arrendatários das terras, para trabalhar no período da safra.
        UmaOcorre que com o processo de mecanização da agricultura este grupo de pessoa passou a ser dispensado, não havia mais necessidade de seu trabalho, não restando outra possibilidade a não ser engrossar a massa de trabalhadores das áreas urbanas. Como este grupo (os agregados) apenas ocupava uma pequena área da fazenda e a casa geralmente era cedida pelo dono da fazenda fez com que este sujeito buscasse qualquer alternativa, inclusive morar em barracos improvisados.
Citei estes fatos acima porque entendo que sem o mínimo de reflexão sobre as condições e a realidade do nosso povo nós tornamos massa de manobra para atingir outros interesses que não estão aparente. Tudo faz parte de uma narrativa construída para legitimar a política da exclusão social e da aceitação natural da concentração da posse e da renda.
O MST inicia com um movimento de mais de 500 famílias de agricultores que viviam no Alto Uruguai como pequenos arrendatários, posseiros da área indígena, peões, diaristas, meeiros, agregados, parceiros, etc. que diante da falta de política pública queriam resistir ao abandonar o campo.
Então em 1984, os trabalhadores rurais que organizavam essas se reuniram no 1° Encontro Nacional, em Cascavel, no Paraná, e decidiram fundar um movimento nacional, o MST, com três objetivos principais: lutar pela terra, lutar pela reforma agrária e lutar por mudanças sociais no país.
Este movimento junto com outras organizações contribuiu de forma decisiva na construção da nova constituinte, aprovada em 1988, conseguindo com a materialização dos artigos 184 e 186, que garantem a desapropriação de terras que não cumpram sua função social.
Art. 186 - A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Outro fato que considero importante, que muitas vezes passa de forma desapercebida no senso comum, ou é simplesmente negligenciada, é que no Brasil, a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que estão nas mesas dos brasileiros e emprega 77% das pessoas envolvidas com o setor agrícola, mesmo com um financiamento público que não deve chegar a R$ 30 bilhões contra mais de R$ 190 bilhões para o agronegócio em 2018. Dito isso, quando se fazemos discurso só criminalizando o MST estamos também contribuindo para o discurso mercadológico e contribuindo para negligenciar outras possibilidades de desenvolvimento social.