Até Larry Summers, o duro Larry Summers, o homem que vinha dar aulas de neoliberalismo aos “macaquitos”,
curvou-se antes as evidências da nova fase do capitalismo, na qual a
geração de empregos passa a ser o ponto central, muito mais do que a
inovação tecnológica. E onde os grandes serviços públicos (educação,
saúde) passam a ser analisados não apenas como essenciais para a
melhoria da qualidade de vida, mas como motores de desenvolvimento. O
recado foi passado no maior fórum do capitalismo mundial, o World
Economic Forum, em Davos.
Anos
atrás, o grande José Gomes Temporão, ainda Ministro da Saúde, encomendou
um trabalho sobre a participação dos serviços de saúde no PIB. Resultou
em um seminário no BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico s
Social), onde se lançaram os primeiros ensaios de política industrial.
Para se
entender a abrangência dessa manifestação, lembre-se primeiro que
Summers foi dos principais porta-vozes globais do neoliberalismo. Longe
dele o refinamento intelectual e a visão multidisciplinar de um Martin
Wolff. Apesar de egresso do meio acadêmico, ele é direto e sem verniz
como um texano. Daí a importância de suas colocações.
Os pontos centrais da doutrina neoliberal foram:
- Nos Estados Unidos, o projeto de focar a economia no setor financeiro e de serviços, deixando o chão de fábrica para a China.
Perderam o bonde. Nenhum dos dois setores consegue substituir a
indústria como fator dinâmico da economia e geradora de empregos. A
indústria tem cadeias produtivas complexas, irriga os locais onde se
instalada com a criação de redes de fornecedores, é cliente dos bancos e
dos serviços. Sem a indústria sufocou-se o emprego, derrubou-se o
mercado de consumo. Contornou-se essa vulnerabilidade com uma orgia de
crédito. Até a bolha estourar.
- A ideia de da opção preferencial pelos ricos.
Eliminem-se os impostos dos ricos e, como eles são mais eficientes na
alocação de recursos, o dinheiro economizado será investido em novas
empresas que aumentarão a oferta de empregos e a arrecadação. Os ricos
tornaram-se mais ricos e os os pobres se tornaram mais pobres nos
principais países a abraçar essas teorias: EUA e Inglaterra.
No Brasil,
o anacronismo oportuno do pensamento acadêmico criou a ideia dos
campeões nacionais – abraçada tanto pelo neoliberalismo de FHC como pelo
desenvolvimentismo de Luciano Coutinho, do BNDES (Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico s Social).
Não se
confunda esse viés pró-emprego com a batalha de agregar valores à
produção brasileira. Agregar valor significa oferecer empregos de melhor
qualidade.
A década de ouro do capitalismo
No
meu livro “Os Cabeças de Planilha” prevejo a guinada do capitalismo
nessa direção, de pensar sistemicamente a economia, colocando em pé de
igualdade mercado de capitais e pequena e micro empresa, inovação e
políticas sociais etc. O método para se chegar a isso era simplesmente o
de estudar o que ocorreu no ciclo financista anterior (que se
desenvolve nas três últimas décadas do século 19, termina na 1a Guerra e é enterrado na crise de 29).
A
recuperação se dá, primeiro, no modelo norte-americano do New Deal, de
Roosevelt. Depois das disfuncionalidades amplas do setor financeiro, a
economia volta-se para os municípios, legitima-se o papel dos bancos
regionais, da geração de empregos e do discurso da solidariedade.
Quando o
New Deal se esgota, Nelson Rockefeller propõe um segundo New Deal – que
seria o esforço norte-americano para ajudar no desenvolvimento da
América Latina. Libertar-se-ia o continente do atraso dos coronéis
políticos, se criaria uma classe média forte, um mercado de capitais
pujante, se investiria em ciência e tecnologia e se teria uma economia
moderna integrada comercialmente aos Estados Unidos.
Nesse
mesmo período, a criação da ONU e do Banco Mundial abriu espaço para uma
estupenda geração de economistas sociais abraçando a bandeira da
erradicação da miséria e o desenvolvimento das nações periféricas.
O grande
inspirador desse movimento foi um dos maiores cientistas brasileiros de
todos os tempos, Josué de Castro, cujos livros sobre a miséria
incendiaram o idealismo dessa geração – muitos fugidos da guerra, como
Albert Hirschmann e meu vizinho fantástico Ignacy Sachs, polonês de
nascimento, naturalizado francês, mas brasileiro de coração.
Foram
eles que pavimentaram o que se considerou a era de ouro do capitalismo,
as três décadas em que o capitalismo tentou se legitimar como agente
erradicador da miséria. Esse movimento acabou há exatos 40 anos, quando
Richard Nixon decretou o fim da paridade dólar-ouro e inaugurou uma nova
fase financista. A data passou quase em branco semanas atrás.
Nas suas
missões latino-americanas, Hirschmann foi parar na Colômbia. E lá se
deparou com uma sinuca. A ideia do desenvolvimento harmônico de todos os
setores era impossível. Colômbia era um mar de atraso cercando algumas
poucas ilhas de excelência.
Decidiu
então recomendar novas estratégias de desenvolvimento. Primeiro, eleger
os setores campeões. Depois, montar políticas econômicas que os
beneficiassem, permitindo a acumulação de lucros e o crescimento. Esses
setores trariam, atrás de si, a modernização do país.
Nos anos
60, essa mesma estratégia foi desenhada pelo mais imaginativo economista
brasileiro, Ignácio Rangel, mas beneficiando o setor financeiro. Rangel
considerava que o país só se desenvolveria quando tivesse grandes
grupos financeiros que investissem nos grandes setores de
infraestrutura. Por isso era contra qualquer política monetária
ortodoxa, pois considerava que a flexibilidade monetária era fundamental
para permitir grandes ganhos ao setor.
Desde
os anos 50, a política econômica brasileira tem sido a arte de criar
campeões nacionais: com Campos e Bulhões, os bancos; com Geisel, a
indústria; com Coutinho, os frigoríficos. A diferença entre a PUC-RJ e a
Unicamp residia apenas na escolha dos SEUS campeões.
O modelo colombiano no Brasil
No
final de “Os Cabeças de Planilha” publiquei uma longa entrevista com
FHC sobre o Brasil que ele ajudou a moldar. Não tinha nenhuma informação
que prestasse sobre a importância da criação do tecido econômico em
torno de pequenas e micro empresas; sobre a importância da inovação,
mesmo do mercado de capitais, nada sobre arranjos produtivos locais,
adensamento de cadeias produtivas, ou massificação de políticas sociais.
Indaguei qual o modelo de desenvolvimento que perseguia. E ele:
fortalecer grandes grupos modernos (no caso os financistas) e essas
empresas, por si, conduziriam o país para a modernidade.
Era
incrível que, em plenos anos 90, em uma economia diversificada,
industrializada, complexa como a brasileira, FHC fosse aplicar as
fórmulas de Hirschmann para a economia agrária da Colômbia dos anos 50.
Nenhuma
teoria se faz no vazio. No jogo político, definem-se interesses
políticos e, depois, busca-se a teoria mais adequada. A ideia do
“campeão nacional” é atraente para o político, especialmente o gestor de
políticas econômicas. Criam-se grandes grupos que serão aliados no
presente e gratos no futuro. Muito diferente de políticas que beneficiam
agentes pulverizados pelo país – como pequenos e médios empreendedores
ou miseráveis atendidos por políticas sociais.
É por
isso que a modernização brasileira se deu através dos agentes de
políticas sociais, dos economistas e técnicos que ajudaram a montar o
Bolsa Família, e de um governo que resolveu atropelar os cânones da
economia na grande crise inaugurada em 2008.
Será
sumamente interessante ver como se dará o aggiornamento dos economistas
brasileiros. Não dos cabeças de planilha e economistas de papel – como o
inacreditável professor de Deus Alexandre Schwartsman -, mas dos
grandes intelectuais de ambas as escolas, os Werlangs e os intelectuais
da PUC, o Instituto de Economia da UFRJ e da Unicamp.
Pena que
esse período próximo, extremamente rico, não conte mais com a
contribuição de Antonio Barros de Castro e Dionisio Dias Carneiro. Mas
pelo menos se tem um Delfim Nettoi extremamente ativo e um Mailson da
Nóbrega prudentemente calado.