sábado, 11 de fevereiro de 2012

Como que a periferia está mudando a ordem do mundo capitalista


Summers e os ensaios para uma nova ordem capitalista

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Até Larry Summers, o duro Larry Summers, o homem que vinha dar aulas de neoliberalismo aos “macaquitos”, curvou-se antes as evidências da nova fase do capitalismo, na qual a geração de empregos passa a ser o ponto central, muito mais do que a inovação tecnológica. E onde os grandes serviços públicos (educação, saúde) passam a ser analisados não apenas como essenciais para a melhoria da qualidade de vida, mas como motores de desenvolvimento. O recado foi passado no maior fórum do capitalismo mundial, o World Economic Forum, em Davos.
Anos atrás, o grande José Gomes Temporão, ainda Ministro da Saúde, encomendou um trabalho sobre a participação dos serviços de saúde no PIB. Resultou em um seminário no BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico s Social), onde se lançaram os primeiros ensaios de política industrial.
Para se entender a abrangência dessa manifestação, lembre-se primeiro que Summers foi dos principais porta-vozes globais do neoliberalismo. Longe dele o refinamento intelectual e a visão multidisciplinar de um Martin Wolff. Apesar de egresso do meio acadêmico, ele é direto e sem verniz como um texano. Daí a importância de suas colocações.
Os pontos centrais da doutrina neoliberal foram:
  1. Nos Estados Unidos, o projeto de focar a economia no setor financeiro e de serviços, deixando o chão de fábrica para a China. Perderam o bonde. Nenhum dos dois setores consegue substituir a indústria como fator dinâmico da economia e geradora de empregos. A indústria tem cadeias produtivas complexas, irriga os locais onde se instalada com a criação de redes de fornecedores, é cliente dos bancos e dos serviços. Sem a indústria sufocou-se o emprego, derrubou-se o mercado de consumo. Contornou-se essa vulnerabilidade com uma orgia de crédito. Até a bolha estourar.
  2. A ideia de da opção preferencial pelos ricos. Eliminem-se os impostos dos ricos e, como eles são mais eficientes na alocação de recursos, o dinheiro economizado será investido em novas empresas que aumentarão a oferta de empregos e a arrecadação. Os ricos tornaram-se mais ricos e os os pobres se tornaram mais pobres nos principais países a abraçar essas teorias: EUA e Inglaterra.
No Brasil, o anacronismo oportuno do pensamento acadêmico criou a ideia dos campeões nacionais – abraçada tanto pelo neoliberalismo de FHC como pelo desenvolvimentismo de Luciano Coutinho, do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico s Social).
Não se confunda esse viés pró-emprego com a batalha de agregar valores à produção brasileira. Agregar valor significa oferecer empregos de melhor qualidade.

A década de ouro do capitalismo

No meu livro “Os Cabeças de Planilha” prevejo a guinada do capitalismo nessa direção, de pensar sistemicamente a economia, colocando em pé de igualdade mercado de capitais e pequena e micro empresa, inovação e políticas sociais etc. O método para se chegar a isso era simplesmente o de estudar o que ocorreu no ciclo financista anterior (que se desenvolve nas três últimas décadas do século 19, termina na 1a Guerra e é enterrado na crise de 29).
A recuperação se dá, primeiro, no modelo norte-americano do New Deal, de Roosevelt. Depois das disfuncionalidades amplas do setor financeiro, a economia volta-se para os municípios, legitima-se o papel dos bancos regionais, da geração de empregos e do discurso da solidariedade.
Quando o New Deal se esgota, Nelson Rockefeller propõe um segundo New Deal – que seria o esforço norte-americano para ajudar no desenvolvimento da América Latina. Libertar-se-ia o continente do atraso dos coronéis políticos, se criaria uma classe média forte, um mercado de capitais pujante, se investiria em ciência e tecnologia e se teria uma economia moderna integrada comercialmente aos Estados Unidos.
Nesse mesmo período, a criação da ONU e do Banco Mundial abriu espaço para uma estupenda geração de economistas sociais abraçando a bandeira da erradicação da miséria e o desenvolvimento das nações periféricas.
O grande inspirador desse movimento foi um dos maiores cientistas brasileiros de todos os tempos, Josué de Castro, cujos livros sobre a miséria incendiaram o idealismo dessa geração – muitos fugidos da guerra, como Albert Hirschmann e meu vizinho fantástico Ignacy Sachs, polonês de nascimento, naturalizado francês, mas brasileiro de coração.
Foram eles que pavimentaram o que se considerou a era de ouro do capitalismo, as três décadas em que o capitalismo tentou se legitimar como agente erradicador da miséria. Esse movimento acabou há exatos 40 anos, quando Richard Nixon decretou o fim da paridade dólar-ouro e inaugurou uma nova fase financista. A data passou quase em branco semanas atrás.
Nas suas missões latino-americanas, Hirschmann foi parar na Colômbia. E lá se deparou com uma sinuca. A ideia do desenvolvimento harmônico de todos os setores era impossível. Colômbia era um mar de atraso cercando algumas poucas ilhas de excelência.
Decidiu então recomendar novas estratégias de desenvolvimento. Primeiro, eleger os setores campeões. Depois, montar políticas econômicas que os beneficiassem, permitindo a acumulação de lucros e o crescimento. Esses setores trariam, atrás de si, a modernização do país.
Nos anos 60, essa mesma estratégia foi desenhada pelo mais imaginativo economista brasileiro, Ignácio Rangel, mas beneficiando o setor financeiro. Rangel considerava que o país só se desenvolveria quando tivesse grandes grupos financeiros que investissem nos grandes setores de infraestrutura. Por isso era contra qualquer política monetária ortodoxa, pois considerava que a flexibilidade monetária era fundamental para permitir grandes ganhos ao setor.
Desde os anos 50, a política econômica brasileira tem sido a arte de criar campeões nacionais: com Campos e Bulhões, os bancos; com Geisel, a indústria; com Coutinho, os frigoríficos. A diferença entre a PUC-RJ e a Unicamp residia apenas na escolha dos SEUS campeões.

O modelo colombiano no Brasil

No final de “Os Cabeças de Planilha” publiquei uma longa entrevista com FHC sobre o Brasil que ele ajudou a moldar. Não tinha nenhuma informação que prestasse sobre a importância da criação do tecido econômico em torno de pequenas e micro empresas; sobre a importância da inovação, mesmo do mercado de capitais, nada sobre arranjos produtivos locais, adensamento de cadeias produtivas, ou massificação de políticas sociais. Indaguei qual o modelo de desenvolvimento que perseguia. E ele: fortalecer grandes grupos modernos (no caso os financistas) e essas empresas, por si, conduziriam o país para a modernidade.
Era incrível que, em plenos anos 90, em uma economia diversificada, industrializada, complexa como a brasileira, FHC fosse aplicar as fórmulas de Hirschmann para a economia agrária da Colômbia dos anos 50.
Nenhuma teoria se faz no vazio. No jogo político, definem-se interesses políticos e, depois, busca-se a teoria mais adequada. A ideia do “campeão nacional” é atraente para o político, especialmente o gestor de políticas econômicas. Criam-se grandes grupos que serão aliados no presente e gratos no futuro. Muito diferente de políticas que beneficiam agentes pulverizados pelo país – como pequenos e médios empreendedores ou miseráveis atendidos por políticas sociais.
É por isso que a modernização brasileira se deu através dos agentes de políticas sociais, dos economistas e técnicos que ajudaram a montar o Bolsa Família, e de um governo que resolveu atropelar os cânones da economia na grande crise inaugurada em 2008.
Será sumamente interessante ver como se dará o aggiornamento dos economistas brasileiros. Não dos cabeças de planilha e economistas de papel – como o inacreditável professor de Deus Alexandre Schwartsman -, mas dos grandes intelectuais de ambas as escolas, os Werlangs e os intelectuais da PUC, o Instituto de Economia da UFRJ e da Unicamp.
Pena que esse período próximo, extremamente rico, não conte mais com a contribuição de Antonio Barros de Castro e Dionisio Dias Carneiro. Mas pelo menos se tem um Delfim Nettoi extremamente ativo e um Mailson da Nóbrega prudentemente calado.